VIDA PREGRESSA
NÃO SE DISTINGUE CASUÍSMO BOM E RUIM, DIZ MINISTRO
A missão do Supremo Tribunal Federal é aplicar a Constituição Federal, ainda que seja contra a opinião da maioria. Com esse, e dezenas de outros argumentos, o ministro Gilmar Mendes votou contra a validade da Lei da Ficha Limpa nas eleições de 2010. Em um voto longo, que durou quase duas horas, o ministro sustentou que a Lei Complementar 135/10 se submete ao prazo de carência de um ano previsto na Constituição para surtir efeito.
O STF decide nesta quarta-feira (23/3) se as novas regras de inelegibilidades criadas com a nova lei poderiam ter sido aplicadas já nas eleições de 2010, como decidiu o Tribunal Superior Eleitoral. Depois do voto de Gilmar Mendes, a corte fez um intervalo e o julgamento será retomado com o voto do ministro Luiz Fux.
No começo do julgamento, os ministros reconheceram a repercussão geral do recurso. Ou seja, se decidirem que a lei não se aplicava em 2010, a decisão se refletirá nos recursos de todos os candidatos que tiveram o registro de candidatura indeferido com base na Lei da Ficha Limpa.
Gilmar Mendes fez um estudo da jurisprudência do Supremo. O ministro lembrou que quando o STF decidiu pela aplicação imediata da Lei Complementar 64/90, que instituiu um sistema de inelegibilidades novo, o quadro institucional do país era diferente. A recém-promulgada Constituição de 1988 requeria um sistema de inelegibilidades que não existia. E, por isso, não se enquadrou no princípio do artigo 16 da Constituição.
O artigo 16 diz o seguinte: “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”. Para Mendes, “não há dúvida de que a alteração de regras de elegibilidade repercute de alguma forma no processo eleitoral”.
No caso da Lei da Ficha Limpa, de acordo com Gilmar Mendes, ela alterou regras que já existiam. Logo, deveria se submeter ao prazo de carência de um ano. Como foi publicada em 7 de junho de 2010, só poderia valer de fato a partir de 7 de junho de 2011. Na prática, só se aplicaria aos candidatos a partir das eleições municipais de 2012.
“A tentativa de aplicar o precedente ao tema atual levaria a conclusão diametralmente oposta”, afirmou Gilmar Mendes. O ministro fez uma analogia com o princípio da anterioridade tributária. O contribuinte não pode ser cobrado no futuro por um imposto que não existia no passado. Da mesma forma, o candidato não pode ser penalizado por regras que não existiam quando decidiu se candidatar.
O ministro voltou a classificar a lei como casuística e disse que “não se pode distinguir casuísmos bons e casuísmos ruins”. E completou, citando Machado de Assis: “A melhor forma de apreciar o chicote é ter o cabo nas mãos. Mas o chicote muda de mãos”. Para o ministro, o “processo eleitoral não começa com as convenções. E até as pedras sabem disso”. A fase pré-eleitoral começa em outubro do ano anterior, com a obrigação da filiação partidária.
E, apesar de estar bem mais calmo do que nos julgamentos anteriores, não deixou de alfinetar os defensores da lei. “Para temas complexos há sempre uma solução simples. E, em geral, errada”. Para Gilmar Mendes, “a Lei da Ficha Limpa tem uma conotação que talvez tenha escapado a muitos ditadores”.
O caso em julgamento é o do candidato Leonídio Bouças (PMDB), que, no ano passado, disputou uma vaga de deputado estadual para a Assembleia Legislativa de Minas Gerais. O relator do recurso é o ministro Gilmar Mendes.
O candidato foi barrado por ter sido condenado por improbidade administrativa, sob acusação de usar a máquina pública em favor de sua candidatura ao Legislativo mineiro nas eleições de 2002, quando era secretário municipal de Uberlândia. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais suspendeu seus direitos políticos por seis anos e oito meses.
Rodrigo Haidar é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 23 de março de 2011
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